Fortalecer o vínculo e a humanização entre paciente e profissionais de saúde. Esse é um dos objetivos do “prontuário afetivo”, ferramenta que começou a ser utilizada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Adulto do Hospital Geral Dr. Waldemar Alcântara (HGWA), unidade da rede da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), localizada em Messejana.
Além da placa de identificação do paciente, o prontuário afetivo permite incluir informações como hobbies, preferências e histórico de vida. Dados não sensíveis que permitam ao profissional de saúde ter um olhar diferenciado para aquele paciente que se encontra no leito.
José Coelho está internado na UTI do HGWA. Ele é acompanhado pela esposa, a dona de casa Maria de Fátima. Ela conta que se surpreendeu com a proposta de incluir o prontuário afetivo, razão pela qual se emocionou ao lembrar de algumas informações para o preenchimento. Entre os detalhes, ela contou de como o seu José gosta de ser chamado, que tem dois filhos e quatro animais que ele gosta muito.
“Eu achei muito interessante, uma bonita atitude. É um momento que relembramos algumas emoções. Eu falei até que ele gosta de dirigir uma kombi, que é a paixão da vida dele, além da comida que ele gosta e do apelido que é conhecido”, afirma.
O preenchimento fica sob responsabilidade do setor de Psicologia da unidade, que conversa com pacientes e familiares para saber as informações
A psicóloga Lorenna Carvalho explica que o prontuário afetivo é uma estratégia que visa a humanização do cuidado ao paciente internado. É uma forma de resgatar o que é importante para o paciente, além do adoecimento e do tratamento, como a forma que ele gosta de ser chamado, o que ele gosta ou não gosta de fazer, quem são as pessoas mais importantes para ele, entre outras informações. “É uma forma de resgate da biografia do paciente. Geralmente, ao serem internadas, as pessoas se sentem com medo, inseguras e ansiosas. Com essa ferramenta, o paciente e os familiares se sentem vistos, acolhidos e fazendo parte do processo de forma ativa”, conta.
A profissional explica que a receptividade dos pacientes e familiares vêm sendo muito positiva. “No primeiro momento, eles parecem ficar surpresos. Logo em seguida, os familiares fornecem as informações com muito zelo, carinho e atenção. Muitos deles se emocionam ao resgatar a história do familiar”, explica.
O coordenador médico da UTI Adulto, Denison Couto, ressalta que o prontuário, visto dessa forma, vem agregar em um cuidado mais individual. Para o médico, todos os profissionais se engajam ainda mais no olhar pessoal daquele paciente. “Trazendo a personalização do cuidado do ponto de vista humano, acabamos conhecendo a intimidade daquele paciente, a funcionalidade antes do evento, alguns gostos. Isso faz com que a equipe tenha essa proximidade no cuidado, bem como com a família”, finaliza.
No Hospital Geral de Fortaleza (HGF), equipamento da Sesa, cada paciente é mais do que um número no prontuário. São seres humanos com histórias, vivências, trajetórias. Para valorizar e reforçar este aspecto dentro do ambiente hospitalar, diversas alas da unidade adotaram há três anos o “Prontuário do Afeto”, uma iniciativa que visa humanizar o atendimento hospitalar ao registrar informações pessoais dos pacientes, como o nome pelo qual preferem ser chamados, hobbies, religião, músicas favoritas e histórias de vida.
Para a terapeuta ocupacional Socorro Porto, que participou da implementação do projeto no HGF, o Prontuário do Afeto é uma ferramenta essencial para a humanização do cuidado. “O nosso objetivo era criar um vínculo mais próximo entre pacientes, equipe e também família, porque, de certa forma, esse projeto traz suporte emocional para eles. Se sentem mais acolhidos ao perceberem que a equipe se interessa, verdadeiramente, pelas suas histórias.”, reforça.
Para os terapeutas ocupacionais Yuri Montenegro e Luciano Bezerra, que acompanham de perto os avanços desse projeto, o Prontuário do Afeto tem transformado a internação e aumentado a eficiência do tratamento. “Ao conhecer detalhes pessoais do paciente, a equipe consegue adaptar e personalizar as intervenções terapêuticas, obtendo respostas mais significativas na recuperação”, explicam.
Um exemplo disso aconteceu na UTI do hospital. O paciente de Maracanaú, Francisco Evangelista, de 73 anos, conhecido como sr. Queiroz, há dias não respondia aos estímulos. Sua família, aflita, sentia falta de um sinal que demonstrasse que ele ainda estava ali, lutando. Inspirada pelo Prontuário do Afeto, a equipe pediu à família um som carregado de amor: áudios das netinhas.
Quando aquele som familiar ecoou pelo quarto, o sr. Queiroz abriu os olhos e apertou a mão da filha, num gesto que disse mais do que qualquer palavra. Naquele instante, ele não era apenas um paciente, mas um esposo, pai, avô, um homem forte que precisava lembrar o quanto era amado.
A filha dele, Wenia Santiago, diz que ainda não consegue explicar o que aconteceu, mas acredita que foi resultado do prontuário. “Esse projeto mostrou para nós que tudo é possível quando se faz com amor, né? Meu pai não tinha reação nenhuma, e ver ele reagindo depois dos áudios da minha filhinha é como se ele estivesse nos dizendo que sentia nosso amor”, diz emocionada.
“Ao ouvir sua música preferida, ouvir a voz de quem ama, ou simplesmente ser chamado pelo nome que gosta, o paciente se sente mais seguro, mais pertencente. A gente vê os resultados disso na prática e se emociona junto”, explicam os terapeutas ocupacionais.
No HGF, a cura não vem só dos medicamentos. Vem também da certeza de que, antes de qualquer diagnóstico, há um ser humano ali. E, muitas vezes, é o afeto que abre caminho para a recuperação.
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