A educação pública cearense é marcada por iniciativas promotoras de inovação e sustentabilidade dentro das escolas. Exemplo disso é um projeto elaborado no município do Crato, no Cariri, que alia arte e ecologia para prevenir um problema ambiental comum nas cidades, de forma simples e barata. O trabalho denominado Ecoart, tocado pelos estudantes Maria Eduarda Silva e Pablo Kallebe Matos, que cursam a 3ª série na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Governador Adauto Bezerra, transforma óleo de cozinha em matéria-prima para a produção de tinta a ser utilizada em atividades sociais e culturais. Com o reaproveitamento do produto após o uso culinário, evita-se o descarte do mesmo na rede de esgoto, o que causa prejuízos ao sistema e à natureza.
A ação contou com o apoio da Ambiental Crato, concessionária responsável pelo esgotamento sanitário do município. A empresa deu suporte técnico aos alunos ao longo de cinco meses no ano de 2024, quando os jovens cursavam a 2ª série.
Além de óleo, outros itens de fácil acesso compõem a lista de materiais que podem ser empregados na mistura para a produção do corante, a exemplo de folhas secas, urucum, pó de café e beterraba. Os elementos são recolhidos entre as pessoas da própria comunidade em que a escola fica inserida, no bairro Seminário.
“Nosso ponto de partida foi a preocupação com o descarte inadequado do óleo de cozinha, o que nos levou a pensar em uma solução criativa. Então, mergulhamos em pesquisas e experimentos, ajustando e refinando cada detalhe até encontrarmos a proporção perfeita dos ingredientes, todos de fácil acesso. A parte do projeto que eu mais gostei foram os testes. Quando via que cada material dava uma coloração, isso me levou a querer descobrir mais cores. Além disso, optamos por utilizar insumos naturais para dar cor, garantindo que o produto fosse seguro para todos, incluindo crianças, contribuindo para um impacto positivo e sustentável”, explica Kallebe, de 17 anos.
“Quando estávamos testando os ingredientes para cada coloração, percebi que conseguíamos criar cores incríveis com algo aparentemente sem muito valor, como as folhas”, ressalta Maria Eduarda, que tem a mesma idade do colega. “A utilização dessas tintas é inovadora, pois os artistas podem transmitir mensagens de sustentabilidade por meio de suas obras, permitindo que a sociedade reflita não só sobre a importância da reciclagem, mas também sobre a sustentabilidade no meio artístico e cultural, incentivando a experimentação e o uso de materiais alternativos, naturais e de fácil acesso, ajudando assim a reduzir a dependência de substâncias químicas e processos industriais poluentes”, complementa.
O diretor da EEMTI Governador Adauto Bezerra, Cícero Adauto dos Santos, revela que o retorno da comunidade em relação à iniciativa tem sido muito positivo. “Afirmo isso a partir da empolgação de alunos, professores, funcionários e pais, que compreenderam, de forma muito tranquila, que é preciso o engajamento de todos no cuidado com a natureza. A escola deve abraçar iniciativas desse porte, pois a educação ambiental se fortalece dentro dos muros da escola e extrapola esses limites ao adentrar as consciências e reverberar nas ações cotidianas de cada cidadão”, pontua.
Pelo sucesso obtido, o trabalho foi inscrito na 6ª edição do Prêmio Jovens Pioneiros, promovido pelo Instituto Aegea em 8 estados brasileiros, tendo sido um dos vencedores nacionais do certame, que foi concluído em dezembro passado. Como premiação, a dupla cratense viajou a São Paulo-SP, onde permaneceu do dia 7 ao dia 10 deste mês, participando de um roteiro histórico-cultural e tendo, ainda, a oportunidade de compartilhar o projeto com outros estudantes, também premiados.
O prêmio nacional em saneamento tem “relevância imensa”, na visão de Kallebe. “Essa repercussão traz à tona a importância da reciclagem, mostrando que até os resíduos mais simples podem ser transformados em algo valioso. Além disso, chama a atenção para o apoio à arte e à cultura, ao mostrar como a sustentabilidade pode ser aliada à expressão artística, ampliando o impacto das iniciativas. Pequenas ações, quando feitas com criatividade e consciência, podem gerar grandes mudanças e inspirar outras pessoas a agirem de forma responsável”, considera.
“A viagem não era apenas para conhecer pontos turísticos e culturais. Participamos de encontros e palestras, tivemos a oportunidade de conhecer verdadeiras histórias de superação. Cada palestrante expôs sua trajetória e vivências, que soavam em mim como um impulso. Passei a alimentar o desejo de ir além”, conta Maria Eduarda.
A jovem frisa sobre a importância da persistência para que a ideia tenha rendido bons frutos. “Se não tivéssemos tido a sede por conquistar algo e ver o nosso projeto dando certo, não teríamos chegado onde chegamos. Acima de tudo, o apoio familiar foi fundamental, pois em todos os momentos que pensávamos que não iríamos conseguir, eles nos davam colo e conselho para que continuássemos tentando até o final. O projeto foi importante em muitos sentidos, como em relação à minha forma de enxergar uma dificuldade e tentar resolvê-la de forma criativa, e também quanto à importância do trabalho em equipe, pois sozinha eu não teria conseguido”, salienta.
Kallebe reforça o significado da parceria. “Vou levar comigo tudo o que aprendi, mas o que considero mais importante é o valor do trabalho em equipe e o desenvolvimento da autoconfiança. Tanto eu quanto minha dupla aprendemos a acreditar mais em nós mesmos ao longo do processo. Juntos, aprendemos a confiar um no outro, a lidar com desafios e a unir nossas forças para alcançar algo muito maior do que poderíamos sozinhos. Esse trabalho em conjunto me mostrou que o verdadeiro sucesso vem da colaboração, e a jornada foi ainda mais rica e transformadora por termos caminhado lado a lado, compartilhando aprendizados e superando obstáculos”, observa.
Alcançar diferentes públicos e compartilhar os aprendizados adquiridos ao longo do processo são algumas das premissas do Ecoart, de acordo com Kallebe. “Como parte dessa missão, participamos da ação social ‘Prospera’, promovida pelo grupo Aegea. Também incluímos alunos neurodivergentes da nossa escola, reforçando o propósito de tornar o projeto acessível e transformador para todos. Embora já tenhamos concluído nossa participação no Pioneiros, nosso compromisso com o Ecoart continua, e temos planos de expandir sua aplicação, participando de novas iniciativas, tanto dentro quanto fora da escola, para continuar inspirando mudanças positivas no meio ambiente”, finaliza.
“O nosso projeto abre portas para a criatividade e a inclusão de diversas comunidades, que passam a entender mais sobre o saneamento, e compreendem que se não zelarmos pela nossa natureza, iremos sofrer juntos com ela. Estamos sempre repassando informações e aprendizados, mostrando que se conseguimos chegar lá com algo simples, mas inovador, todos também podem conseguir”, conclui Maria Eduarda.
O Instituto Aegea é uma organização sem fins lucrativos, que é mantida pela Aegea Saneamento, empresa controladora da Ambiental Crato. O projeto Pioneiros – que foi o celeiro para a criação do Ecoart – é uma das ações desenvolvidas pelo Instituto, voltado para alunos do Ensino Médio regular de escolas públicas. O objetivo é proporcionar aos jovens acesso ao conhecimento sobre o mercado de trabalho e a atuação de diferentes profissões, especialmente na área de saneamento básico.
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