Para celebrar a memória e o legado de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, o dia 20 de novembro, data da morte do símbolo negro, foi instituído no Brasil como o Dia Nacional da Consciência Negra. Além da data, que em 2024 foi pela primeira vez feriado nacional, o mês de novembro é, há décadas, referenciado como o Mês da Consciência Negra, período dedicado a atividades que reforçam a luta contra o racismo e a desigualdade no país.
No Maranhão, há quatro anos, os meses de novembro são marcados pela realização da Feira MA Preta, evento anual que ajuda a promover o afro-empreendedorismo, valorizando a cultura afro-brasileira e impulsionando o desenvolvimento econômico sustentável das comunidades negras no estado.
A ação é encabeçada pela sociedade civil e conta, desde sua primeira edição, com apoio do Governo do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado da Mulher (Semu). A Feira MA Preta tem como foco o desenvolvimento do empreendedorismo negro, com destaque para a criação e a inovação em áreas como moda, música, gastronomia, audiovisual, design e tecnologia.
“Um dos sonhos das pessoas que trabalham com afro-empreendedorismo era a questão da dignidade; ter a dignidade de ter uma feira como as grandes feiras são, com estandes, com tendas. Um evento que desse uma garantia de legalidade, para as pessoas entenderem que os produtos das pessoas pretas podem estar em espaços como esse”, explica a chefe do Departamento de Gestão e Articulação da Semu e coordenadora geral da Feira MA Preta, Ana Rosa Silva - também conhecida como Aninha Pretha.
A 4ª edição do evento será até esta sexta-feira, dia 22 de novembro, em São Luís, e conta com mais de 50 marcas autorais lideradas por mulheres pretas, reunindo produtos como bolsas, artesanato, itens pet, vestuário e plantas.
Além do impulso ao empreendedorismo, a Feira MA Preta abre espaço para atividades culturais, como consultorias, aulas experimentais e rodas de conversa com empreendedoras ligadas ao movimento negro.
“Hoje, vemos no Maranhão um grande boom. As pessoas começaram a perceber, a partir de 2021, um grande número de afroempreendedores abrindo negócios em redes sociais. Com a Feira, a gente começa a incentivar essas mulheres a vender, porquê lá elas têm espaço, têm vitrine para a comercialização dos seus produtos”, reforça Aninha Pretha.
No último dia 7 de novembro, a Feira MA Preta, em parceria com a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), inaugurou uma loja colaborativa no Rio Anil Shopping, no bairro Turu, na capital maranhense, para que 50 afroempreendedores apresentem seus produtos.
Estão à venda na loja colaborativa da Feira MA Preta/Sedihpop, peças de artesanato, joias, biojoias, roupas de crochê, roupas de tecido africano, turbantes, faixas, cabelos orgânicos, sapatos, bonecas e tecidos africanos. Trancistas, cabeleireiras, artesãs, maquiadoras e profissionais que trabalham com a gastronomia ancestral negra, também tem espaço no local. A meta dos organizadores da Feira é que a loja colaborativa consiga atingir até 100 empreendedores negros.
“Os produtos e as marcas são fixas, com rotatividade entre quem vai comercializar. Temos muita coisa boa. Temos a pauta da inovação, já que têm mulheres, por exemplo, que produzem shampoos e condicionadores com produtos naturais do Maranhão, como babaçu, jussara e cupuaçu. Temos ainda, produtores de perfumaria, moda, serviços e até aulas de inglês para mulheres pretas”, conta a coordenadora geral da Feira MA Preta.
Afroempreendedorismo na história
Para Aninha Pretha, o empreendedorismo entre a comunidade negra remonta ao período escravista no Brasil. O também chamado afroempreendedorismo teria surgido no Brasil como saída encontrada pela população negra garantir a subsistência no período pós-escravidão, já que não eram garantidas há escravos alforriados condições de integração à vida econômica do país.
“A população preta quando veio para o Brasil ficou à margem da sociedade e não foi oportunizada a ela possibilidade de comercialização e produção formal. Os africanos ficaram à margem da sociedade, mas eles eram barbeiros, eram comerciantes, faziam confecção de seda e dominavam a tecnologia ancestral da construção e da engenharia”, frisa Pretha.
Feira MA Preta e geração de renda
Empreender foi a estratégia adotada por ex-escravos para suplantar desigualdades originadas em mais de três séculos de escravidão no Brasil. No século 21, empreender e montar o próprio negócio ainda pode ser uma boa opção para a população negra que mora nas periferias do país, conquistar sua autonomia financeira, como reforça Aninha Pretha.
“Entendo o afroempreendedorismo desde a minha infância, porque essa é a forma de sustentabilidade das famílias negras tradicionais, que geralmente estão à margem da sociedade, que não têm empregos formais, e muitas das vezes, são mulheres que estão no subemprego. São mulheres empregadas domésticas que não têm carteira assinada, que precisam pagar as contas da casa, além de muitas que são mães solos e não têm uma rede de apoio”, conta.
Vitrine para negócios desenvolvidos e gerenciados por empreendedores negros, a Feira MA Preta tem como vetor central a geração de oportunidades e de renda, pautas prioritárias para o governador do Maranhão, Carlos Brandão.
“O governador Carlos Brandão é um dos nossos maiores incentivadores. Ele vai para dentro da feira, ela já sabe quem são as afroempreendedoras. Ele tem um carinho muito especial pela Feira, porque ele entende que está potencializando a economia de mulheres que ainda estão em processo de construção de seus negócios”, relata Aninha Preta.
Celebração da cultura preta
Com o slogan “Potencializando Afroempreendedores, Celebrando a Cultura Preta”, a Feira MA Preta vem se consolidando como plataforma de geração de renda, fortalecimento da identidade cultural e promoção de políticas públicas inclusivas, com foco na promoção do desenvolvimento sustentável das comunidades negras maranhenses.
A ação foi incorporada ao calendário anual de eventos do Maranhão, por meio da Lei Estadual nº 11.580. A 4ª edição da Feira MA Preta conta com programação extensa e descentralizada. As atividades compreendem desde eventos em praças e comunidades quilombolas até a utilização de espaços públicos, como shopping centers.
Parte da programação será realizada em um espaço cheio de simbolismo para a história do povo negro no Maranhão: a Praça das Mercês, local que no início da fundação de São Luís foi utilizado para atracar navios negreiros. Na região funciona atualmente o Museu Casa das Mercês, prédio que por volta do século 17 abrigou um depósito de escravos.
“Começamos a ir para espaços como a Praça das Mercês, local onde temos uma história muito emblemática, porque ali era um grande porto, ali era a Cafua das Mercês, o nosso Cais do Valongo [antigo porto no Rio de Janeiro, onde mais de 1 milhão de escravos africanos desembarcaram durante os séculos 18 e 19]”, destaca Aninha Pretha.
“Fazemos questão de fazer esse resgate ancestral da história e da cultura africana dentro dos territórios no Maranhão. Ali a gente conseguiu entender que era um espaço que a gente precisava ocupar”, completa.
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